quinta-feira, 23 de agosto de 2012

poemas de Natália Nunes

     foto: Marina Passos

BIO 

Natália Nunes é mineira de Belo Horizonte. Mantém o blog de poemas autorais http://corpestranho.blogspot.com.br

Dança flamenco, fotografa e é fotografada.

CRÍTICA

O que fazer com imagens como "gamados em telepatias" ou "a adstringência das cicatrizes"? A resposta mais direta justifica este post: lê-las.

A verborragia é um dos métodos possíveis para se encarar, no corpo de um poema,  o óbvio de frente; o lapidar, a concisão a tudo eleva quando se trata de um poema.

Sob a égide do exacerbamento sentimental e lidando com o lugar-comum do sofrimento em metáforas de sangue, madrugada e entranhas, Natália Nunes constrói suas verborragias à la Herberto Helder sempre com a certeza de que as palavras sequer levam a si mesmas direito. É preciso empenho, mossa.

Parece lidar com a condição de que a poesia também pode ser o exercício do não dizer, ou isso está só em meus olhos de leitor, perdão, mas de qualquer forma há espaço em sua poética para a tautologia, para poemas que começam e terminam quase no mesmo ponto, neste exercício primeiro da linguagem que é precisar se anular até mesmo para seguir adiante, da “negra lua” à “lua do escuro”.

Felizmente, todo sinônimo é um quase: poesia e silêncio, texto e sua potência neste contexto.

POEMAS

vou te dizer que a minha nau é séria e que eu falhei.

que há muito tempo ninguém me olha
direto nos olhos e adivinha
o quanto de suborno deixei cair do decote
da migalha da voz o quanto de infração
cobre cada dádiva cada passo descoberto.
mas não há queixa.

*
arrasta

eu não vou dizer que mil grutas ferem caladas
que há fratura no espírito.
amanhã o sol cairá e lamberá o inverno das ondas
uma cintura de homem uivará porque escureceu
a mão de gânglios e rosa
a mulher e seu cimento e alumínio no torso
portas acesas nos rostos das madrugadas das sirenes
sem eternidade, nenhum anúncio de que era vinagre
e sal nos ossos e suas carnes esparramadas. a grama alta
as velas nas gavetas
a saudade ressurreta e sua cicatriz
não vou dizer
sobre o que vive e tem torto
mágico fatal seu ninho, sua pronúncia

*
te adoro te adoro te adoro te a
doro t e de nada adianta.
zarpou sufocado o talo com feição de amor
um amor infante amor infanticida mal nascido já surrado co'a epopéia [Tristão
foi soletrar quebrantos alternar Vaticano e vagina
foi deixar mansinho o inferno alugado que sua as vezes nas órbitas das [flores
a angústia daquele amor de maresia era mentir o formigueiro
era entalar o ralo com chicote e deixar
as minhas pernas vacilarem as minhas mãos capturarem bolhas
ao invés.
ao invés dos seus órgãos trêmulos e delirantes que caem e caem
dentro das margens desse corpo despedido
cresceu o buraco a cama virou fauna e flora e no escuro
não sabia mais te dizer homem
te trazer de volta duma infinita deliqüescência
que me apavorou. Tanto.
não sei contar se havia pobreza quando súbito veio. foi.
não sei se meu amor era um braço e se a dor ficou no corpo
se a dor era na falta que pendia no corpo porque era como vinha
uma grande falta de esperança urrando na carne
reverberando nas vísceras. aquele amor enxertado
no Tálamo da minha necessidade
a voracidade por te acoplar te acoplar
te fazer anexo me deixar anomalia
fez de mim hematoma, bagulho à deriva.
mas sequer te dei essa bagagem na saída
te deixei ir sem exílio, sem as fantasias com que te vesti no silêncio
sem saber que foste Videira que fui louca fui cã Isolda morta.

*
Invocatio

a minha entranha é alegre e ninguém sabe
a minha entranha delira e é óbvio e mesmo que meu corpo seja partido
que minha carne fique abismada
toda aberta em solilóquio
ninguém saberá dizer ainda que em profecia
qual é a separação do meu bruto do meu metabólico do meu ser vivo
do resto que trapaça
que pratica ontologia

*
Denderá

se nós fôssemos miscigenados, porão e léu matança ovulação
quem sabe teria sido fácil ver o rótulo ter contado os surtos
ter dado conta do álibi carcomido da separação encovada
meu deus, da loucura caseira torando, quem sabe

*
nada que não seja o tumulto
a veia cava da natureza
que desvirtua os modos os plágios que ilumina
tronos antigos rituais até que gosto
da adstringência das cicatrizes do doce das penas
de pavão escondidas do amargo da lama
do esperma do marisco do amargo do cuspe
do vergão entre as pernas do gosto
até que gosto quando apago a luz de lótus
e me deixo cometa partido meteorito
bruto preto nuclear aqui, no chão.
nada que não seja o delírio a pressa
que decapitei com anos de foice de calos
de olhos secos sobre as nuvens
orelhas miúdas, tripartidas solitárias nada
nada que seja tão cristais tão fórmico
tão inato quanto pés e sombras que regam
que distendem aveludam a saudade
da mandíbula o betume sobre o crânio
sobre o epicentro das chagas da Hidra
dos freios. o dente-de-leão que espera
anos-luz para deixar a semente e gritar verde
virar mato virar fada até que nada seja
outra coisa que não pólen ametista
liga metálica pulsação
era proprícia para a delicadeza de seus atos
que nada seja só e morra só
carcomido pela penitência do vazio
pelo sacrilégio do desperdício do cerne
do súber da linfa do miolo
não vale nada
que não seja a tentativa de tudo
uno. já são dez para as seis.

*
aliá

observa, a lua é negra hoje e eu não temo
que comigo não colabore o tráfego
que o cheiro do seu pescoço escape
da minha memória, do meu gosto de sal
que ainda é seu, misto
que ele fuja e penetre no repouso de outro antebraço
e calafete outras doutrinas e morra de frio, de sede
eu não temo, sorvo calma a espuma das suas marés
ainda que remotas, a textura das madrugadas e seus fôlegos
gamados em telepatias, narizes, abusos não cáusticos, lótus
a chama, viva, treme
e a lua do escuro olha.

§ postagem de lrp,

Um comentário:

  1. Como encontrar mais poemas da Natalia? Parece que o site dela, corpoestranho, está aberto apenas para pessoas convidadas. Não está acessível...

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